Comentários Críticos | 'Primavera nos Dentes: A História dos Secos & Molhados': conflitos enriquecedores
- César Plaggert
- 31 de out.
- 2 min de leitura
O texto foi elaborado a partir da experiência de assistir aos dois episódios iniciais em cabine de imprensa.
Ao pensar sobre artistas e grupos experimentais ou disruptivos em relação ao classicismo, espera-se que, ao elaborar uma obra audiovisual sobre suas trajetórias, sejam elas ficções ou documentários, estas sejam estilisticamente alinhadas às suas propostas autorais.
Um exemplo notável lançado neste ano foi Homem com H (Esmir Filho, 2025), uma cinebiografia sobre Ney Matogrosso que explora a performance corporal do cantor como um ritual musical, distanciando-se da lógica naturalista tradicionalmente abordada em filmes do mesmo formato. O palco é utilizado como espaço para experimentações formais do realizador.
Ainda observando o artista como personagem cinematográfico, a série Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados (Miguel de Almeida, 2025) não consegue acompanhar linguisticamente seus próprios objetos de estudo, mantendo-se apenas como um documentário expositivo sobre um grupo musical, próximo do que é realizado em grandes reportagens.

A série é baseada no livro homônimo do próprio realizador, sendo compreensível a tentativa de seguir fielmente sua pesquisa. Contudo, como obra artística, não acrescenta nada ao público além de um material informativo, estruturado em relatos e materiais de arquivo. Ainda assim, há uma tentativa de experimentação entre os relatos, com o uso de arquivos em formato super 8, remontados com reverses e slow motions, com o objetivo de exprimir o estado de medo e opressão em um contexto de ditadura militar. No entanto, ao ser utilizada de forma compulsiva, como divisor entre os momentos históricos abordados, essa técnica perde sua força sensorial, esvaziando-se em arquivos dissociados da totalidade da obra.
A grande qualidade do documentário surge de uma complicação produtiva, o que constitui seu principal conflito cinematográfico: a recusa de João Ricardo em participar da produção. Sua ausência é como um fantasma que ronda os relatos dos outros integrantes, tomando forma por meio de falas agridoces sobre si, elementar como compositor e violonista, mas também como uma pessoa arrogante e insegura que, no final, devido à sua personalidade instável, cavou a cova de seu próprio grupo.
Sua não participação também criou um dispositivo documental interessantíssimo, pois, ao não autorizar o uso das músicas de sua autoria, obrigou a produção a encontrar outra solução, em que chamaram os ex-integrantes da banda para produzirem novas canções baseadas em seus sucessos. O registro de reunir esses artistas em estúdio, mais de 50 anos após o rompimento, é poderoso, demonstrando o estranhamento e a animação de se verem novamente como grupo, revisitando um estilo considerado parte de um passado de suas trajetórias.

Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados é essencial para os admiradores do grupo, pois contribui como um documento detalhado sobre sua história. Contudo, como obra artística, é apenas mais do mesmo encontrado nas séries de streaming, de fácil digestão e exportação, algo muito pequeno diante de um dos grupos mais culturalmente importantes do Brasil.
Primavera nos Dentes: A História do Secos & Molhados estreou seu primeiro episódio no Canal Brasil, às 21h30, no dia 31 de outubro.
Texto: César F. P. Falkenburg
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