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Crítica | 'A Natureza das Coisas Invisíveis': lutos necessários

Algo constantemente evitado por cineastas é a presença de interpretações infantis. Além da grande responsabilidade de trabalhar com atores em fase de desenvolvimento socioemocional, o que pode causar traumas irreversíveis em um set caótico, há também o risco de não se conseguir extrair deles a carga dramática necessária para a obra. Mesmo com esses desafios, Rafaela Camelo, em seu longa-metragem de estreia A Natureza das Coisas Invisíveis, opta por acompanhar o olhar da criança sobre os lutos que atravessamos na vida.

Pode soar redundante, mas é gratificante que a obra construa suas personagens para que ajam como crianças. Ainda que inconsciente, a representação infantil no cinema costuma ser moldada para que falem e pensem como adultos, mascarado genericamente por personalidades inocentes e unilaterais. Camelo evita isso em suas protagonistas: mesmo que não compreendam totalmente as profundezas da psique humana e os limites da vida, possuem um espírito questionador e curioso sobre o mundo, guiado por experiências transformadoras e pela observação das reações emocionais de suas tutoras diante dessas temáticas.


A Natureza das Coisas Invisíveis (2025)
A Natureza das Coisas Invisíveis (2025)

Com o luto como norteador dramático, o filme utiliza o realismo fantástico como representação estética da visão infantil sobre o tema. A influência da filmografia de Juliana Rojas (consultora de roteiro do projeto) é visível, especialmente de Trabalhar Cansa (Rojas e Dutra, 2011), em que os simbolismos se dilatam para ocupar toda a atmosfera do filme, dissolvidos na realidade sem causar espanto, como algo cotidiano naquele mundo fictício.

Ainda que a ludicidade sobrevoe toda a narrativa, Camelo a aplica cuidadosamente na encenação, segundo os espaços geográficos utilizados. O espaço prioritário da primeira parte é o hospital, representado de forma sóbria, com blocagem rígida e cenografia quase monocromática. Consequentemente, a fantasia aparece de modo sutil na atmosfera, podendo passar despercebida a um olhar menos atento. Em contraste, na segunda parte, ambientada no interior, ela surge de maneira explícita, muito em função da abertura da cultura regional para a espiritualidade, entendida ali como essencial para a libertação das mazelas físicas e mentais.


A Natureza das Coisas Invisíveis (2025)
A Natureza das Coisas Invisíveis (2025)

Retomando o lugar do luto na narrativa, o filme não se contenta em falar apenas da morte física, de aspecto melancólico e pessimista, mas também das mortes simbólicas, que, ainda que dolorosas, são responsáveis por transformações fundamentais para a maturação psíquica. Ambas as protagonistas compartilham esse luto: Glória passou por um transplante de coração, e Sofia pela transição de gênero. Destaca-se a delicada representação da transexualidade de Sofia, sem transformá-la em característica principal da personagem, mas como parte natural e necessária de sua alegria e identidade.

Mesmo sem se afastar de uma zona de segurança linguística em A Natureza das Coisas Invisíveis, Rafaela Camelo demonstra controle absoluto da encenação. Por meio de referências filmográficas e de uma direção de atores precisa, encontra a sensibilidade necessária para fluir entre o imaginário infantil e o duro impacto do luto.


A Natureza das Coisas Invisíveis é distribuído pela Sessão Vitrine Petrobras e estreia em 27 de novembro.


Texto: César F. P. Falkenburg

 
 
 

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