Comentários Críticos "Red Rocket": o vibrante mundo decadente de Baker
- César Plaggert
- 16 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de mar.
Não há como falar do cinema de Sean Baker sem mencionar o sonho americano. Se em Anora ele nasce e morre na tela, em Red Rocket está em seus últimos suspiros, ainda guardados em Mikey.
Baker trabalha um conflito visual ao longo de todo o filme, em que cada plano causa uma certa estranheza pela sua composição. Em uma fotografia 16mm, ele retrata uma vizinhança decadente com alto contraste de cores, onde a tradição americana entra em conflito com um olhar colorido, vibrante, texturizado e jovial. De certa forma, o realizador nunca abandona seu olhar metropolitano ao observar uma pequena cidade interiorana, o que dialoga com a própria visão do protagonista, alguém que perdeu seus hábitos texanos ao se inserir no mundo pornográfico de LA.

Além do conflito visual, a maneira como o diretor escolhe filmar a rotina de Mikey e dos outros moradores expõe essa decadência da tradição americana por meio de símbolos simples, mas bem aplicados. O hábito comum de cortar a grama é mostrado através de uma máquina velha e falha, que morre e ressuscita em constantes tentativas; o cigarro de maconha vendido pelo protagonista é estampado com a bandeira dos Estados Unidos, que é queimada em fortes tragadas; a extrema-direita aliena os moradores pelos rádios e televisões; as antigas casas texanas são cobertas pela fumaça das fábricas, e a bela paisagem rural é substituída por grandes chaminés. Todo o ambiente de Red Rocket exala decadência—um passado sem ser visto com nostalgia.

Falando em passado, Mikey é um homem apegado a ele, mas não de maneira bonita, com lembranças felizes e positivas, e sim como alguém preso a valores ultrapassados, propagando ideais machistas e opressivos presentes na indústria pornográfica. É explícito que sua carreira nesse meio destruiu sua vida, tornando-o um homem violento, sexualmente impotente e, acima de tudo, mentiroso. Nos filmes, ele aprendeu a mentir para a câmera como ator, e esse hábito nunca saiu de sua vida—ele mente para si mesmo e para os outros para sua própria satisfação. O protagonista parece passar o filme inteiro em busca da aprovação dos moradores, assim como fazia com o público de seus conteúdos, vivendo na tentativa de ser novamente prestigiado.
Como alguém oprimido pela indústria pornográfica, seu sonho é tornar-se um opressor, ser como aqueles que o exploraram, vendendo a ideia de perseverança nesse universo para pessoas inocentes e alheias à realidade—exatamente o que Mikey tenta fazer com Strawberry. A garota, ainda menor de idade, que trabalha meio período em uma loja de doces, é gradualmente manipulada pelo protagonista, um homem mais velho que reproduz o que ouviu de seus chefes para convencê-la a entrar na indústria pornográfica e, consequentemente, ser sua oportunidade de voltar ao ramo. Baker, em nenhum momento, esconde o quanto Mikey é detestável; não passa a mão em sua cabeça, apenas nos deixa assistir à realidade.

O conflito visual também está presente para demonstrar o contraste entre a inocência de Strawberry e a maldade de Mikey por meio de suas casas. A casa da garota parece uma maquete feita para o cinema—colorida, organizada, limpa e com vista para um belo lago—enquanto a de Mikey, que nem sequer é realmente sua, é um ambiente desorganizado, sujo e abafado, um espaço claustrofóbico do qual ele sempre tenta escapar. Enganado pelo sonho americano, mas ainda preso à ilusão, ele tenta vender essa mesma ideia para a menina, que também acabará como ele—um ciclo de opressão que alimenta a indústria pornográfica. Aquela pequena casa vibrante rapidamente se tornará uma em decomposição.

Na última parte do filme, quando Mikey começa a sofrer as consequências de suas mentiras e perde tudo o que conseguiu naquele caótico mês no Texas, seus sonhos desmoronam e ele se lembra de como o mundo trata pessoas marginalizadas como ele. Quem vive à margem sempre ficará à margem, e a ideia de que poderia se tornar um cafetão e crescer financeiramente não passa de um sonho infantil. Baker encerra com Mickey, após uma longa caminhada até a casa de Strawberry, onde planejava fugir com ela para LA. Ele olha para a casa da garota, e o diretor utiliza um dolly zoom para distorcer o ambiente e, pela primeira vez, expor um olhar arrependido, Mikey sabe que está prestes a arruinar a vida de uma jovem, assim como arruinaram a dele, observando a garota já caracterizada como uma personagem do universo pornográfico.
Ao finalizar Red Rocket, finalmente compreendi o que mais me atrai no cinema de Sean Baker: sua capacidade de utilizar o pensamento estético—especialmente através da fotografia analógica—como um elemento essencial para o desenvolvimento da narrativa. Seu visual não se limita a ser apenas bonito, mas também funcional. Sem a fotografia em 16mm, o longa perderia grande parte de sua força no conflito visual, pois, além do contraste de cores em desarmonia com a arquitetura local, o grão da película torna a imagem “suja” e pouco nítida, dialogando com uma narrativa que questiona a indústria pornográfica e o machismo, deixando claro, desde o início, que essa é uma história difícil de digerir e sem um final feliz.
Texto de César F. P. Falkenburg
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