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Crítica | 'Ainda Não É Amanhã': tirar o aborto do lugar de tabu

Atualizado: 23 de jul.

Conheço a Embaúba Filmes há quase um ano por causa de meu estudo em distribuição e estágio como exibidor, e minha admiração pela distribuidora vem crescendo a cada lançamento anunciado. Minha conexão surgiu pois ela trabalha com filmes do grupo do qual participo, de cineastas independentes cheios de sonhos, interesses e com pouco orçamento para tais produções. Recebi recentemente o convite para a cabine de Ainda Não É Amanhã, o que me levou a um interesse quase instantâneo pela obra, curioso sobre como a recifense Milena Times iria propor, estética e narrativamente em seu filme.

Frame do filme Ainda Não É Amanhã
Frame do filme Ainda Não É Amanhã

Ainda Não É Amanhã segue a história de Janaína, uma mulher preta periférica que estuda Direito em uma faculdade particular e, por causa de uma gravidez indesejada, vive uma fase de dúvidas, medos e restrições, sem saber qual decisão tomar. Sou imensamente grato que tal narrativa não tenha caído no colo dos cineastas da Retomada, pois eles utilizariam a temática da gravidez em comunidades periféricas e o aborto para construir um filme que estiliza as dores de um povo oprimido, romantizando aquele drama para surpreender os europeus e arrecadar alguns prêmios em festivais internacionais. É só observar os maiores sucessos de Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha para perceber que os realizadores utilizam a pobreza como um degrau para o sucesso profissional.

No caso de Times, a realizadora segue uma abordagem que cineastas do Novíssimo Cinema Brasileiro vêm adotando, com uma rigidez formal focada em um realismo cênico, de captação quase documental, com uma decupagem econômica, trilha sonora quase inteiramente diegética e uma montagem que mantém a trama em um mesmo nível narrativo, sem elevá-la a um padrão hollywoodiano de crescimento dramático. A experiência fílmica minimalista dá a sensação de que o público está assistindo aos registros de uma parente, alguém que você já conhece e cujos dilemas acompanhará fielmente, pois está vendo alguém real, impulsivo e surpreendente. A obra não cai em uma narrativa entediante, pois a diretora sabe captar a realidade de uma mulher periférica, expondo sua rotina para além de seus dramas, organizando a trama em momentos comuns — de tarefas domésticas, estudos e aulas da faculdade  — e nos fundamentais para a história.

Em raros momentos, a obra tenta fugir desse realismo cênico e explora uma ambientação onírica e lúdica, mas, por ser distante da estética desenvolvida ao longo do filme, acaba recaindo em uma representação genérica de simbolismos sobre a gravidez, a pressão social e o aborto. Esses pequenos momentos demonstram que esta é a primeira direção de Milena Times em um longa-metragem, pois expõem uma artista animada em experimentar diversas abordagens estéticas e narrativas com o objetivo de criar uma obra complexa, mas cujo desejo é maior que o resultado, distanciando a conexão criada com a encenação principal.

Frame do filme Ainda Não É Amanhã
Frame do filme Ainda Não É Amanhã

Meu interesse em Ainda Não É Amanhã reside no fato de ser um filme que não julga sua protagonista, retirando o aborto do lugar de tabu e tratando-o como um tema presente na vida de muitas mulheres no Brasil. A obra cria um espaço seguro, no qual as mulheres se compreendem apenas com um olhar e se ajudam, sem a necessidade de diálogos expositivos para justificar tais ações. Mesmo sendo explícito que se trata de uma obra de ficção, a mensagem transmitida é importantíssima para quebrar um preconceito silencioso que oprime pessoas que lidam com gravidezes indesejadas em situações de vulnerabilidade social. Filmar tal ação sem requintes estéticos a transforma em um gesto comum, evitando o julgamento moral que gerações tradicionalistas vêm alimentando.


Ainda Não É Amanhã estreia dia 05 de junho nos cinemas.


Texto: César F. P. Falkenburg

Revisão: Alice Faria

 
 
 

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