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Crítica | "Nada: onde o silêncio encontra o desconhecido "

Um universo em que a memória se confunde com o sobrenatural. Este é o cenário criado em Nada, um longa-metragem dirigido por Adriano Guimarães. Nele, Ana volta a morar no interior por alguns dias para cuidar da irmã mais velha Tereza, portadora de uma doença que muda o seu estado de consciência. Durante o período em que permanece no local, Ana descobre os efeitos de uma antena na  vida de quem vive lá, incluindo a própria irmã. Nesse contexto, inúmeras questões carregam a narrativa de forma silenciosa, mas que causam um barulho ensurdecedor na personagem e no espectador. 

Ana e Tereza possuem poucos diálogos e por isso, a mise-en-scene torna-se a principal responsável por retratar o desconforto da irmã mais nova ao estar em um local com pessoas que ela já não reconhece mais. Em uma das cenas, Ana acorda de madrugada e se depara com o cachorro do sítio em cima da mesa de jantar, comendo o que havia sobrado nas panelas dispostas na mesa. Então, senta-se em uma das cadeiras e come junto com o animal. Em poucos segundos ela se levanta, apaga as luzes e vai embora. Nesse plano, a imagem é dividida por um pilar da casa, que coloca ela e o cachorro no mesmo espaço quando estão sentados à mesa e separam os dois quando Ana vai embora. Ela pode se sentir confortável e acolhida ali? A protagonista evidentemente não tem mais espaço naquela cidade e para os mistérios que envolvem o ambiente, embora exista uma tentativa inicial de fazer parte daquilo. Portanto, é apenas uma observadora, que utiliza dos seus dias para entender o que mexe com a memória dos que vivem ali. 



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Frame do filme Nada


Tereza por sua vez, representa toda a cidade e as pessoas que são afetadas pela antena. Os seus delírios são provenientes do seu estado de consciência? São efeitos da antena? Ou são uma mistura dos dois fatores? Adriano Guimarães não nos responde, o que torna a narrativa ainda mais curiosa e interessante. Como espectadores, queremos entender o que é a antena e como ela mexe na mente das pessoas. É como se  os moradores revelassem a estranheza para pessoas específicas, e Ana é uma delas. Ao descobrir sobre a existência do instrumento, a protagonista entrevista alguns moradores e grava relatos únicos e pessoais. Cada personagem conta para câmera suas memórias ou visões que começaram a fazer parte de suas vidas depois que a antena foi instalada na cidade, e Tereza é dona de diversos relatos. É por meio deles que entendemos um pouco do que se passa na mente de uma personagem tão enigmática e que se abre tão pouco tanto para o espectador quanto para Ana. 

Os relatos são acompanhados de uma nostalgia dual, em que a melancolia se cruza com o prazer de relembrar um passado familiar e acolhedor. São em suas falas, que Tereza traz à tona um pedaço da história que não conhecemos, e suas memórias parecem ter um ressentimento pela escolha da irmã de ir morar na cidade e deixar a mais velha cuidando dos pais. Ela parece carregar um fardo nas costas que, ao decorrer do filme, aparenta já estar resolvido. Tereza, portanto, se deleita na ideia de que cumpriu a sua missão, confrontando o passado no presente, e parte rumo à um final de reconciliação 

Nada mostra a discussão no silêncio. A conversa em diálogos não declamados. A casa de Tereza não é fácil de ser decifrada, os cômodos são gravados em planos bem fechados, impossibilitando que o espectador entenda a dinâmica do ambiente. O local é como se fosse um labirinto em que a protagonista procura uma saída que a leve até a cura da irmã e a resolução dos mistérios da antena. O que é memória? O que é sobrenatural? Adriano Guimarães desafia o espectador por meio de uma narrativa envolvente e misteriosa, levando o público à um ambiente familiar e ao mesmo desconhecido. A fotografia mostra e omite detalhes essenciais contribuindo para a construção de um longa-metragem centrado na contradição, e ao fim, todos nós nos sentimos um pouco Ana.


Nada é distribuido pela Embaúba Filmes e estreia dia 31 de julho nos cinemas.



Texto: Alice Faria

Revisão: César F. P. Falkenburg


 
 
 

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