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Crítica | 'Anora': Acorde! O sonho americano nunca existiu

Atualizado: 23 de jul.

Poster de Anora
Poster de Anora

O sonho americano sempre esteve presente nos longas-metragens estadunidenses, tanto na disseminação desse ideal em clássicos da era de ouro, quanto em revisando e criticando tal propagação, como é o caso de Anora e da filmografia de Sean Baker. O filme utiliza como estratégia a quebra de crença, inserindo o público e Ani em um conto de fadas, fazendo com que sonhemos junto da protagonista e acreditemos na existência desse sonho. Em seguida, somos confrontados por meio de uma realidade violenta e misógina, que corta as asas da protagonista justamente quando ela se aproxima do sol.

A obra pode ser dividida em dois grandes atos, que são distintos tanto em estética quanto em narrativa. O primeiro é carregado de luzes neon, flares de luz, sensualidade, sexo intenso, ostentação e músicas pop. O dinheiro parece comprar todos os sonhos da protagonista, com o materialismo saltando da tela, e gerando a expectativa de um final feliz, de estabilidade financeira e mental, inserindo-a em uma família bilionária. Já no segundo ato, a fotografia adota uma iluminação mais realista, as músicas cessam e a narrativa assume um tom dramático e cômico. A comicidade é fundamental para a quebra de expectativas: rimos de acontecimentos ruins em sequência, mas com um fundo de desconforto, percebendo o quanto tudo aquilo era ilusório. Assim como Ani, o público se sente tolo por ter acreditado.

Frame do filme Anora
Frame do filme Anora

O príncipe encantado, que parecia um rapaz fofo e carinhoso, revela-se apenas uma criança mimada em busca de diversão no luxo. Os belos flares de luz agora incomodam, cegam e irritam; a mansão se transforma em um palácio de cristal, onde tudo se quebra facilmente, assim como o sonho americano.

Ani jamais poderia ser a princesa de um conto de fadas dentro do capitalismo. Quem vive à margem sempre permanecerá na margem, e sua rápida ascensão já prenunciava uma queda igualmente veloz. Baker mostra que apenas os burgueses podem sonhar, pois quando a classe trabalhadora sonha, ela acorda assustada, com a boca seca no meio da madrugada.

A descrença atinge seu ápice na cena final: o sexo em um ambiente claustrofóbico, frio, melancólico, sem gemidos, em que os créditos sobem sem enfeites e trilha musical, apenas acompanhado do som do choro e do motor do carro. Uma resposta direta à plasticidade do início do filme, abordando de forma naturalista e dolorosa um elemento que esteve presente em toda a narrativa.

Frame do filme Anora
Frame do filme Anora

Anora se destaca na temporada de premiações e no cinema contemporâneo pelo revisionismo ácido e cômico de um ideal que ajudou a construir a imagem dos Estados Unidos como uma potência cultural e econômica, lançado no momento correto para desconstruir a imagem onírica do País. Nós temos compaixão pela protagonista pois compartilharmos de dores semelhantes da classe trabalhadora, em que queremos entrar no cinema e sonhar também, mas quando somos puxados para o chão novamente percebemos que nem a ficção pode mascarar as imperfeições do capitalismo.


Texto: César F. P. Falkenburg

Revisão: Alice Faria

 
 
 

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