Crítica | 'Confinado': sufocado pelas próprias ideias
- César Plaggert
- 24 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de jul.
Filmes com narrativas em uma ou poucas locações estão presentes desde os primórdios do cinema, como nos experimentos científicos dos Irmãos Lumière, passando pela Hollywood clássica, com 12 Homens e uma Sentença, até chegar à contemporaneidade, como é o caso de Confinado, dirigido por David Yarovesky, e que se passa quase inteiramente no interior de um carro de luxo. Essa premissa atrai um interesse quase instantâneo do público ao provocar a curiosidade sobre como o realizador conseguirá manter uma narrativa em um espaço tão restrito como aquele.

Em Confinado, acompanhamos Eddie, um rapaz pobre que, para pagar o conserto de sua van, tenta roubar um carro de luxo que se encontrava destrancado. Ao sair do veículo, descobre que caiu em uma armadilha, tramada por William, um senhor rico que decide se vingar após sofrer inúmeros assaltos e episódios de violência urbana. Dentro do carro, o protagonista é submetido a diversas violências físicas e psicológicas, sem a possibilidade de escapar, e vivendo um verdadeiro pesadelo naquele pequeno espaço.
O realizador faz um grande esforço para que o filme não caia em um conflito maniqueísta, apresentando uma tentativa de humanização dos personagens, explicando seus motivos para tais atos. No entanto, essa tentativa provoca um efeito inverso na narrativa, tornando os personagens representações caricatas de grupos sociais. Eddie é o clássico estereótipo do bandido: fuma maconha, usa gírias e palavrões, é tatuado e sempre veste moletom. Já William utiliza apenas uma linguagem formal, defende valores conservadores e traja roupas elegantes. Essa estereotipação, somada à forma como a narrativa é construída, reforça, ainda que involuntariamente, o ideal de extrema-direita de resolver o crime com as próprias mãos. O filme apresenta inúmeras cenas de tortura que pouco agregam ao desenvolvimento da trama, pois a mensagem que a obra quer transmitir já é compreendida logo na primeira interação entre os personagens, transformando todo o restante do desenvolvimento em mera alimentação do sadismo de uma figura burguesa.

Mesmo que o longa estabeleça Eddie como protagonista, acompanhando seu desenvolvimento pessoal, o roteiro está sempre ao lado de William, assimilando-se com ele tanto em ações quanto em ideais. Portanto, proponho uma breve reflexão sobre essa problemática, pois ela é reflexo de uma tendência ideológica dos últimos anos. Com o avanço tecnológico, grupos minoritários passaram a ter mais poder de voz para denunciar preconceitos e educar o público sobre pautas sociais, uma grande conquista sociopolítica do século XXI. Curiosamente, a classe burguesa viu tal evolução como algo negativo, classificando-a como “mimimi” e “lacração”, com o intuito de deslegitimar a causa e voltar as atenções novamente para si, posicionando-se como um grupo oprimido pela nova geração, alegando serem atacados por serem privilegiados. Tais ações estão presentes na figura de William, como se fosse a representação material de todo um grupo que, ao invés de ser ironizado pelo realizador, é humanizado e tratado como justificativa para suas atitudes.
Além da narrativa problemática, Confinado cai na armadilha recorrente de filmes construídos em poucas locações: torna-se um filme entediante, pois não consegue explorar criativamente o ambiente do carro, executando uma mise-en-scène engessada, com repetição de planos, iluminações e movimentos corporais. O filme tenta mascarar essa limitação com estímulos visuais de gore e uma coloração que remete ao “cinema underground”, recurso que pode até ser interessante inicialmente, mas que rapidamente se revela apenas mais uma escolha estética cansativa.
O único momento em que o filme se desprende de sua lógica interna e se torna cinematograficamente interessante é no encontro físico dos dois personagens. Além de reunir grandes atores do terror e suspense (Bill Skarsgård e Anthony Hopkins), rompe com o conflito moral anterior, transformando-se em um jogo de insultos pessoais cujo único intuito é irritar um ao outro, e se torna uma sequência verdadeiramente tensa pela imprevisibilidade das ações dos personagens, que se afastam da racionalidade.

Confinado é uma obra que tenta se vender como ousada e inovadora, mas que acaba se revelando apenas mais um suspense básico e genérico, solucionando sua trama com um simples “roubar é errado” , algo decepcionante para uma obra que demonstrava grande potencial em sua premissa.
Texto: César F. P. Falkenburg
Revisão: Alice Faria
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