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Crítica | 'Depois da Caçada': entre a elegância e a breguice

No texto “Showgirls (1995) e o espetáculo do mau gosto”, de Caleb Lopes, o autor comenta sobre como Paul Verhoeven precisou sujar as mãos para expor a misoginia presente nas casas de show de Las Vegas, em que a moral difusa é uma ferramenta crítica. E, como a história do cinema é carregada de coincidências, Luca Guadagnino, em Depois da Caçada, explorando outro microcosmo, segue a mesma estratégia: arrisca entregar sua obra ao julgamento público sem a proteção de amarras discursivas.

Guadagnino desenvolveu até agora um projeto autoral de expansão do melodrama, tornando-o essencialmente estético, como em Rivais, em que filma e monta as partidas de tênis como videoclipes, condensando trucagens visuais no ritmo eletrônico da trilha de Trent Reznor & Atticus Ross. E em Queer, cria uma atmosfera surrealista e fantástica para expor uma realidade de solidão e idealização romântica de um homem gay no México dos anos 1950. Já em sua nova produção, Guadagnino retorna às raízes do melodrama no audiovisual, apostando em recursos aparentes como suas principais ferramentas artísticas.

O melodrama de Depois da Caçada é aquele que já conhecemos das novelas latino-americanas: utiliza primeiríssimos planos com baixa profundidade de campo em momentos de tensão, exacerba os movimentos corporais e emprega trilha sonora dramática, sonoramente expandida em pontos-chave da trama. Inclusive, demonstra sua paixão por esse recorte artístico pela seleção de músicas de artistas consagrados da música popular brasileira, como João Gilberto e Caetano Veloso.


Frame do filme Depois da Caçada
Frame do filme Depois da Caçada

Esse primeiro contato com uma encenação conhecida e até considerada batida gera uma sensação de estranhamento e até repulsa diante dessa plasticidade, que pode aparentar mera falta de criatividade na construção de um estilo próprio. Mas, ao refletir sobre sua proposta narrativa, percebe-se que a simplicidade pode ser o melhor caminho para abordar certos temas.

Guadagnino compreende o espaço universitário como uma sociedade de aparências e de jogos de poder, externalizando sua falsidade pela construção caricata e arquetípica de seus personagens. Ainda que haja um olhar diluído sobre a misoginia e o abuso sexual, já que o momento do crime não é mostrado visualmente, as ações dos personagens não fogem do esperado, permanecendo em uma trama sem grandes revelações. O foco, portanto, recai sobre o estudo das ações e reações dentro de um contexto em que há maior espaço para pautas sociais, políticas e de gênero nas redes, resultando tanto na exposição de criminosos antes protegidos quanto no efeito inverso: o esvaziamento dessas pautas, discutidas com frequência mais pelo destaque midiático do que pelo verdadeiro apoio às vítimas.

Essa construção caricata é expandida pela forma irônica como se filmam os espaços da trama. A captação dos ambientes de convívio entre os personagens é feita com elegância, através de luzes quentes e difusas, cenografias amplas e movimentações de câmera em travelling, suaves e planejadas. Essa elegância, em vez de enaltecer o estilo de vida dos doutores, expõe sua falsidade ao tentar manter uma relação ficcional no aspecto coletivo; na intimidade, são moralmente sujos, frágeis e gananciosos.


Frame do filme Depois da Caçada
Frame do filme Depois da Caçada

A moral incongruente é reforçada por uma transformação estética quando ocorrem essas explosões pessoais diante do público. Os enquadramentos são substituídos por movimentações de câmera na mão, com iluminação majoritariamente natural e com os atores quebrando a quarta parede, olhando diretamente para o espectador. Isso cria uma dissonância com a totalidade visual da obra.

Depois da Caçada forma uma crítica ácida pela exposição cristalina do funcionamento social de um microcosmo ao reagir a um crime que desestrutura seu cotidiano. Guadagnino opta por gerar uma sensorialidade incômoda, colocando o público entre sentimentos contraditórios, da elegância à breguice, ao pensar o mundo como ele é: carregado de pessoas cruéis e egoístas que criam mais e mais semelhantes.

Depois da Caçada é distribuido pela Sony Pictures e estreou em 09 de outubro


Texto: César F. P. Falkenburg

Revisão: Alice Faria

 
 
 

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