Crítica "Flow": uma fábula contemporânea
- César Plaggert
- 8 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de fev.

As fábulas são narrativas que conectam gerações por histórias sobre animais que sempre resultam em um aprendizado ou reflexão, nos emocionando como ouvintes durante a infância e também como narradores na vida adulta. Em Flow, acompanhamos uma fábula contemporânea que ao invés de ser contada oralmente ou em livros, é construída por imagens em movimento, algo que apenas o cinema oferece.
Na obra, acompanhamos um gato vivendo em um mundo distópico, com a ausência de humanos, mas que ainda estão presentes nos bens materiais deixados para trás. Em que a vegetação vibrante e água cristalina entram em contraposição a arquitetura decadente da civilização, cada vez mais camuflada. Esse universo é surpreendentemente invadido por uma grande enchente, que inundou todo planeta, transformando-o em um ambiente impossível de sobreviver pela terra. Com isso, o felino busca abrigo em um velho barco, onde uma capivara já estava presente, e com passar do longa, outros animais entram na embarcação, que são um lêmure, um cachorro e uma garça. Esse grupo formado pelo acaso, necessita sobreviver a esse desastre juntos e precisam lidar com as particularidades de cada um, ao mesmo tempo que permanecem com a colaboração nessa pequena sociedade. Para a sobrevivência, cada animal precisou abdicar de seus hábitos negativos e unir suas habilidades a fim de enfrentar os conflitos trazidos pela maré. Nesse sentido, a grande tragédia ambiental transformou positivamente cada indivíduo, onde aquele barco é muito mais um espaço metafísico e transcendental do que algo apegado à realidade.

A escolha de Zibalodis em colocar animais tão distintos em hábitos e habilidades para se aliarem pela sobrevivência cria uma mensagem muito bonita para os dias atuais, tendo em vista que vivemos em um gradativo processo de isolamento social causado pelo desenvolvimento de tecnologias que nos colocam em pequenos mundos, tornando o hábito de convívio e parceria algo chato e desgastante. A mensagem do longa que aparentemente seria um aprendizado para as crianças, na realidade vira-se para os adultos, em que precisamos assistir uma obra audiovisual com animais para voltarmos a refletir sobre a importância da unificação e interação com outras pessoas.
O que torna Flow uma grande obra é a renúncia de algo que o cinema ocidental é apegado desde a chegada do cinema sonoro, o texto. Sem a presença de animais falantes, a obra foca na construção de uma mise-en-scène com um absoluto controle do próprio universo. O longa segue uma narrativa direta, focado em recortes que mostram características essenciais dos personagens e as relações entre si. Mesmo com o minimalismo narrativo, há a presença de uma poética e sensibilidade na obra, abordando por meio de simbolismos e pelo espaço distópico da terra alagada, o companheirismo, o amor, o medo e a morte.
Para a criação de um ritmo e imersão nessa viagem metafísica, o trabalho estético é fundamental. A câmera nunca se mantém parada, se movimentando livremente naquele vasto mar, seguindo o percurso igual o velho barco, com uma iluminação solar que reflete na água, ilumina-se os personagens e o caminho, e que ao mesmo tempo cria-se sombras que escondem os resquícios da civilização e que confortam os personagens nos momentos de descanso. Os cenários são trabalhados com um traço de pouca nitidez, fluidos como o mar, se metamorfoseando junto daqueles animais, um ambiente tomado pelo mistério, sem a capacidade de limitá-lo fisicamente em um lugar. E a trilha sonora utiliza dos sons proporcionados pela natureza e de instrumentos de percussão para criar um espaço sonoro transcendental e alucinatório, dando a sensação de estarmos observando um ambiente espiritual, distante dos sons caóticos gerados pelas grandes metrópoles, em que os sons são organizados e serenos.

Flow se destaca na campanha de premiações e nas animações contemporâneas por sua ousadia de trabalhar uma obra sem diálogos. Em que apenas explorando a potência dos planos com uma decupagem, iluminação e composição precisas acompanhados de uma trilha sonora naturalista, fisga a atenção do público e emociona-os nessa fábula contemporânea de união.
Flow estreia nos cinemas brasileiros no dia 20 de fevereiro.
Texto: César F.P. Falkenburg
Revisão: Alice Faria
Excelente texto! Durante a leitura surge o desejo de assisti-lo. Parabéns!
Maravilhosa explicação! Contexto de fácil entendimento que já desperta a vontade de assistir. Arrasou César!!!
Excelente análise!! Muito bom redigida, e logo no início me despertou a vontade de assistir ao filme. Parabéns!!!
Muito boa análise, bom trabalho.