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Crítica | 'O Bom Professor': o suspense didático de Lussi-Modeste

Atualizado: 23 de jul.

Discussões morais nos interessam naturalmente pela imprevisibilidade de se chegar a uma conclusão sobre se determinada atitude ou acontecimento é certa ou errada. Adoramos nos questionar após vermos um caso divisivo, perguntando-nos: "O que eu faria nessa situação?", "Há alguma forma de escapar disso?". O Bom Professor é mais uma lenha nessa grande lareira de debates, propondo ao público uma reflexão sobre um caso polêmico envolvendo um professor e seus alunos – uma relação que evolui de uma conexão harmoniosa para um embate ácido, repleto de farpas e ameaças.


Poster do filme O Bom Professor
Poster do filme O Bom Professor

No filme, acompanhamos Julien, um professor de francês do 8º ano, que, após uma aula, é acusado por uma aluna de assédio sexual por tê-la utilizado como exemplo em uma explicação sobre o “flerte” na literatura. Lussi-Modeste sabe apresentar esse conflito ao espectador ao iniciar a narrativa com uma boa relação entre professor e alunos, repleta de interações e discussões saudáveis, apenas para, ao final da aula, fazer com que todos o vaiem. Essa construção é uma técnica interessante de desconstrução da crença, pois estabelece um ambiente de harmonia que, por fim, se desfaz por uma violência internalizada e latente. Um exemplo semelhante ocorre na introdução de Veludo Azul (1986), de David Lynch, onde uma vizinhança americana colorida e vibrante é abruptamente perturbada por um dedo decepado encontrado no jardim.

Apesar da introdução promissora, o longa se perde cinematograficamente ao optar por escolhas estéticas simplistas e por se manter em uma narrativa estagnada nas mesmas intrigas dramáticas.

No quesito estético, a fotografia e a direção de arte seguem um molde de “regras cinematográficas para iniciantes”, utilizando ao longo de toda a obra uma iluminação natural, diálogos enquadrados em plano e contraplano e composições rigidamente alinhadas à regra dos terços. Além disso, o filme adota o melodrama como base estrutural, recorrendo a zoom-ins para acentuar a tensão e pressionar os personagens dentro do plano, além de uma trilha sonora fúnebre para criar um clima melancólico e ameaçador. Toda essa estrutura técnica se mantém dentro de padrões convencionais, sem ousar inovar, aplicando códigos estéticos sobrepostos para tentar prender a atenção do público.

Frame do filme O Bom Professor
Frame do filme O Bom Professor

Assim como a estética, a narrativa também se acomoda em uma zona de conforto, girando exclusivamente em torno da crescente pressão sobre o professor, que passa a sofrer ataques e perseguições constantes por parte dos alunos e colegas de trabalho, afetando sua vida profissional e pessoal, tornando-o um homem mais defensivo e agressivo. Contudo, ao não sair dessa espiral narrativa previsível, o longa perde sua força como suspense, pois, ao anteciparmos o que acontecerá na próxima cena, deixamos de sentir medo ou curiosidade sobre possíveis reviravoltas.

Essa previsibilidade se intensifica porque Lussi-Modeste evita julgar seu protagonista, colocando-o em uma zona segura do julgamento moral do público. Desde o início, a câmera se mantém próxima a Julien, expondo todas as suas ações e direcionando nosso olhar para que o vejamos apenas como "um bom professor", cujos atos nunca possuem más intenções. Mesmo quando ele humilha alguém, o roteiro imediatamente o faz baixar a cabeça e pedir desculpas. Ironicamente, o filme recorre a uma solução simplista para afastá-lo de suspeitas: sua orientação sexual. Ainda que o próprio personagem não veja nisso um argumento válido, o filme parece sugerir que isso o impediria de assediar uma mulher – um raciocínio falho em um mundo estruturado pelo patriarcado, onde a opressão masculina independe da sexualidade.

O longa não nos dá espaço para desconfiarmos dele, questionarmos suas atitudes ou criticá-lo, tornando-o um personagem vazio e previsível, já que compreendemos sua natureza desde a primeira cena.

Frame do filme O Bom Professor
Frame do filme O Bom Professor

De certa forma, o filme, mesmo que inconscientemente, reforça uma violência simbólica contra a mulher, retratando a aluna que fez a denúncia como manipulável e irracional, ao passo que posiciona o professor como a verdadeira vítima da história. Em 2025, disseminar um discurso que coloque um homem sob uma cortina moral que o isente de julgamento é incômodo e vai na contramão das discussões progressistas que ganharam força na contemporaneidade.

O Bom Professor desperdiça a oportunidade de construir um suspense envolvente a partir de uma história de grande complexidade moral, explorando o aprofundamento psicológico do protagonista em meio a um conflito em ascensão. Em vez disso, adota uma abordagem convencional e previsível, presa a regras estéticas e narrativas básicas que limitam a capacidade do público de refletir, julgar por si mesmo e tirar suas próprias conclusões. Assim, falha justamente no que deveria ser sua maior força: engajar o espectador.


O filme chega ao cinemas brasileiros no dia 20 de março.


Texto: César F. P. Falkenburg

Revisão: Marcelo Silva

 
 
 

1 comentário


É impressionante como todas as duas críticas me fazem vontade de ver o filme! Mais uma excelente análise! ♥️

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