Crítica "O Melhor Amigo": o vibrante romance musical à beira-mar
- César Plaggert
- 10 de mar.
- 3 min de leitura
Me interesso pela figura de Allan Deberton desde sua entrevista ao realizador e escritor Lufe Steffen, para o livro O Cinema que Ousa Dizer Seu Nome (2016), uma obra que apresenta grandes cineastas do cinema queer contemporâneo no Brasil. Em seu relato, Deberton demonstra interesse em um projeto cinematográfico que revisita narrativas consideradas “clichês” e as subverte para uma linguagem autoral, baseada em suas experiências pessoais e artísticas. Esse desejo de construir uma filmografia que exale sua identidade artística em cada plano e que busque causar uma mínima transformação em seu meio é algo bonito de se presenciar, especialmente em um período marcado por lançamentos voltados apenas para lotar salas de cinema.
Em O Melhor Amigo, baseado em seu curta homônimo lançado em 2013, Deberton propõe uma releitura de dois dos gêneros cinematográficos mais presentes na história do cinema: a comédia romântica e o musical.

A comédia romântica e o musical, sobretudo na história do cinema hollywoodiano, foram quase sempre protagonizados por personagens heterossexuais e cisgêneros, havendo raramente a presença de personagens da comunidade LGBTQIAPN+, que, quando apareciam, eram construídos de maneira genérica e serviam apenas como alívio cômico. Deberton, ao lançar seu olhar sobre esses gêneros, decide dar visibilidade àqueles que foram esquecidos e ironizados durante décadas, escolhendo-os como protagonistas de sua obra. Além do protagonismo gay representado em Lucas, a escolha de personagens coadjuvantes, figurinos, cenários e músicas remetem diretamente à comunidade LGBTQIAPN+, criando um universo fictício que se concentra exclusivamente nesse recorte.
Em O Melhor Amigo, diferentemente de outros filmes LGBTQIAPN+, não há a intenção de retratar a opressão vivida por essas pessoas no dia a dia – abordagem igualmente necessária no cinema –, mas sim de apresentar uma história de amor de verão entre dois homens. O filme se desenrola sob uma atmosfera vibrante e tropical, repleta de danças e flertes em baladas e bares iluminados pelo sol ou pelas luzes neon. Além disso, há momentos intimistas que evidenciam a paixão de Lucas por Felipe, carregados de um melodrama visual marcado por close-ups, cenários mal iluminados e músicas românticas que transformam os ambientes em espaços impregnados de desejo e melancolia.

De certa forma, a construção da narrativa segue quase mimeticamente o que já foi contado em diversas comédias românticas de Hollywood, o que poderia resultar em um filme protocolar e desinteressante. No entanto, Deberton consegue evitar essa armadilha por meio de sua cuidadosa construção estética e da criativa aplicação dos números musicais.
A estética de O Melhor Amigo evoca um sentimento de saudade, aquele desejo nostálgico de reviver boas memórias. Esse sentimento é transmitido por meio de uma direção de arte que homenageia elementos praianos das décadas de 80 e 90, como as bebidas decoradas com guarda-chuvas, os acessórios e vestimentas florais usados pelo protagonista e os quiosques de madeira com teto forrado de palha. Esses elementos são acompanhados por músicas que fizeram sucesso nas discotecas e na comunidade LGBTQIAPN+, como Amante Profissional e Conga, Conga, Conga, criando uma atmosfera sonora que exala sensualidade e tropicalidade. O visual do filme dialoga diretamente com a saudade de Lucas, que retorna à praia onde beijou seu melhor amigo na esperança de reviver a intensidade daquela paixão.

Já os números musicais são executados sem receio de assumirem uma estética extravagante, tendo como principal referência os musicais da era de ouro de Hollywood, como Cantando na Chuva (1952) e Amor, Sublime Amor (1961) e expressando o que não é dito, mas sentido pelos personagens. Em um momento em que muitos musicais tentam parecer contemporâneos ao renegar os elementos cinematográficos que moldaram o gênero, Deberton abraça suas influências e as incorpora na mise-en-scène das sequências musicais. Com canções praianas, os números são filmados em uma explosão de cores vibrantes, com coreografias que exploram os ambientes e os personagens, criando um grande espetáculo tropical sobre os sentimentos mais íntimos de Lucas. Esses momentos libertam o protagonista das amarras sociais, permitindo que ele se expresse corporal e mentalmente de forma plena e autêntica.

O Melhor Amigo se revela uma grata surpresa em 2025, ao hibridizar gêneros cinematográficos característicos de Hollywood em um contexto totalmente brasileiro, celebrando o amor sem preconceitos. Uma viagem curta, mas envolvente, por um sonho à beira-mar.
O longa chega aos cinemas no dia 13 de março.
Texto: César F. P. Falkenburg
Revisão: Marcelo Silva
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