Crítica | 'O Último Episódio': a revitalização de memórias
- César Plaggert
- 2 de out.
- 3 min de leitura
A memória está marcada na fita cassete, no desenho favorito, no portão de casa e no primeiro amor. O saudosismo é um sentimento que surge e desaparece em diferentes fases da vida, ora com um olhar alegre, como escapismo diante das dificuldades do presente, ora com um olhar melancólico, que lamenta o fim de momentos genuínos de inocência. O cinema se torna a principal ferramenta para transpor sensorialmente essa gama de sentimentos em uma unidade artística, algo que Maurílio Martins compreendeu perfeitamente em seu retrospecto noventista O Último Episódio (2025).
Com recorte narrativo no período em que o realizador viveu sua pré-adolescência, é visível o cuidado em reverenciar artistas que o marcaram, assumindo uma encenação classicista próxima à de Rob Reiner e Richard Donner em seus renomados Stand By Me (1986) e The Goonies (1985). O filme flutua entre sequências cômicas e melodramáticas, equilibrando-se em uma montagem energética e fluida. Outro elemento de destaque é a trilha sonora: ainda que evite músicas originais do período devido aos direitos autorais, recria a atmosfera pop por meio de sintetizadores, teclados, arranjos groovados, além da cenografia e do figurino que compõem com sutileza os espaços dos personagens mirins.

Essa reverência à cultura pop dos anos 80/90 já foi amplamente explorada nos últimos anos pelo mercado audiovisual, sobretudo em séries da Netflix, como Stranger Things (2016-) e Everything Sucks! (2018). Trata-se de uma estratégia para gerar obras lucrativas, alcançando o circuito comercial com maior facilidade pela flexibilidade de público-alvo. Ainda que seja necessário que o cinema brasileiro esteja atento às estratégias de distribuição, produzir um filme que apenas emule uma estilização estética, sem assumir uma visão autoral, resultaria em um produto fast-food, de consumo ágil e fugaz. Martins, contudo, compreende essa problemática e apresenta propostas que transformam o que poderia ser apenas um produto em uma reflexão artística.
O Último Episódio diferencia-se dos coming-of-age comerciais por compreender o espaço geográfico escolhido como elemento essencial para a criação sensorial saudosista. A arquitetura local, as gírias e os sotaques tornam-se tão importantes quanto a presença material de produtos capitalistas que marcaram aquela geração. O município de Contagem é revitalizado pelo olhar de uma equipe que cresceu naquelas ruas, que insere suas recordações por meio de registros documentais familiares conectados pela montagem e da reprodução dos espaços de convívio do dia a dia. Assim, o filme reforça uma atmosfera pessoal para a ficção, e torna-se também um espaço de preservação de memórias dos artistas, como uma caderneta de fotografias guardada em casa.

Outro mérito notável está no retrato da pré-adolescência de seus personagens. Ao mesmo tempo em que o período é mostrado como um dos últimos momentos de inocência, também é representado como fase de autoconhecimento, exigindo o enfrentamento de acontecimentos dolorosos que impulsionam o aprendizado e o amadurecimento. A tristeza é apresentada com a mesma naturalidade que a comicidade, convergindo ao longo do desenvolvimento dramático do protagonista e de seus amigos.
O Último Episódio é uma grata surpresa para o cinema comercial: mesmo com uma estratégia econômica complexa de distribuição, não abre mão do papel essencial do autor como criador artístico. O filme propõe uma conexão entre as memórias de Martins como morador de Contagem e elementos do cinema infantojuvenil hollywoodiano, resultando em uma obra íntima e ao mesmo tempo universal.
O Último Episódio é distribuido pela Embaúba Filmes e Malute Filmes e estreia em 09 de outubro.
Texto: César F. P. Falkenburg
Revisão: Alice Faria
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