Crítica | 'Oh, Canadá': uma confusão prazeirosa
- César Plaggert
- 5 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de nov.
A câmera cinematográfica é vista como um instrumento divino, a cruz diante da qual oramos em busca de redenção, onde a lente e os LEDs transformam desvios morais, remorsos e dores em arte. Em Oh, Canadá (Paul Schrader, 2025), são expostos fragmentos dessa bíblia para nós, fervorosos crentes, num ensaio sobre as raízes que formam o ser cineasta e, principalmente, sobre o que nos torna humanos.
Movem-se móveis, colocam-se as câmeras nos tripés, ajustam-se as luzes e marca-se o chão. É dessa maneira que o fictício, mas assustadoramente real, documentarista Leonard Fife é apresentado: como uma espécie de fantasma naquele antigo apartamento , sua arte antes de seu corpo. Com essa mística apresentação, mostra-se a última ação de um homem já debilitado em vida: ser entrevistado pelos seus próprios alunos em um documentário, uma oportunidade de assumir o lugar dos personagens de seus filmes, de explorar suas memórias, que serão marcadas como imortais no sensor digital de uma câmera de cinema.

Como estudante de cinema, assisti a muitos documentários, de gêneros, formatos e países diferentes. Pela abordagem dos cineastas e a distribuição do set, esperei o tradicional documentário expositivo: fala e imagem, pergunta e resposta. Não seria um filme necessariamente ruim se seguisse tal abordagem, mas, como foi dito anteriormente, seria algo esperado, e que bom que fui inocente, pois uma das ações mais prazerosas é ser surpreendido por um filme.
Mesmo com a temática documental, Schrader sabe muito bem utilizar a ficção como sua principal ferramenta cênica, pois retrata memórias afetadas pela doença e pela idade, em uma linguagem assumidamente incongruente, na qual se contam histórias pela metade, fluxos de pensamento interrompem diálogos, estéticas se conflitam, rostos se confundem.
Há um interesse muito maior em como filmar e montar memórias do que propriamente em seguir um conteúdo linear: assistir a um narrador não confiável em seu juízo final, entre arrependimentos, desconstruções, questionamentos e dramatizações. A automutilação de tentar montar um quebra-cabeça de mil peças… e bagunça-lo ainda mais.

Comecei Oh, Canadá curioso sobre quem era Leonard Fife e saí do filme ainda mais curioso, algo que normalmente me incomodaria, que eu consideraria um grande defeito, mas que, neste caso, criou em mim um certo fascínio por essa experiência sadista de ter uma experiência cinematográfica incompleta, como se tivesse assistido ao primeiro corte da obra, aquele que precisa ser preenchido com as suas próprias visões cinematográficas. Se este filme é um crime contra o cinema clássico, eu, com convicção, defendo a sua existência.
Texto: César F. P. Falkenburg
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