Crítica | 'Um Completo Desconhecido': a protocolar história de Bob Dylan
- César Plaggert
- 20 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de jul.
De César F. P. Falkenburg
Um Completo Desconhecido, dirigido por James Mangold, não é a primeira experiência do diretor com cinebiografias. Antes de expor a trajetória de Bob Dylan, ele já apresentou outra grande figura do folk/country e um importante mentor para o jovem talento: o cantor norte-americano Johnny Cash, no filme Walk the Line (2006). Mangold demonstra ter um grande interesse em abordar seus gostos pessoais em obras audiovisuais, realizando filmes que evidenciam seu carinho pelas figuras escolhidas, com grande precisão e cuidado nas narrativas históricas.

Um Completo Desconhecido destaca-se entre as cinebiografias pelo esmero na construção da mise-en-scène, em que filma os pequenos apartamentos e bares de Nova York com composições que valorizam esses ambientes, com uma iluminação que, ora esconde o protagonista nas sombras, confortando-o no anonimato, ora o revela em flares de luz, como a grande estrela do folk nos Estados Unidos. Além disso, o design de produção recria com fidelidade ambientes transformados por uma juventude artística marcada por forte consciência política e influenciada pela efervescente revolução musical dos anos 60.
Em um momento do cinema contemporâneo caracterizado por narrativas simplificadas e mastigadas para fácil compreensão do público, além de uma estética acinzentada e sem vida, é gratificante ver um diretor veterano apresentar um longa com uma mise-en-scène minuciosamente construída para dar vida à reprodução de um país em meio a grandes mudanças sociais e artísticas.

Ainda que o filme demonstre uma cuidadosa encenação, Um Completo Desconhecido é fragilizado por um problema recorrente nas cinebiografias contemporâneas: a rigidez narrativa ao focar excessivamente na precisão histórica de fatos documentados em filmagens, livros e relatos. Essa abordagem faz com que o longa siga fielmente uma ordem cronológica, apresentando fragmentos de maneira protocolar para ilustrar o crescimento da carreira artística de Bob Dylan, o que limita a exploração de sua vida pessoal e de sua mente. Isso pode dificultar a conexão do público que não possui conhecimento prévio sobre a trajetória do músico. Afinal, por trás de toda figura pública, existe um ser humano.
A abordagem quase jornalística da obra trata Bob Dylan, uma figura conhecida por suas atitudes egocêntricas, como uma mãe com seu filho mimado, suavizando suas atitudes questionáveis (traições, brigas) e glorificando suas conquistas. Esse tratamento o mantém moralmente protegido do olhar do público, transformando-o em uma espécie de herói em sua jornada artística. Com essa superficialidade na construção do protagonista, personagens coadjuvantes como Joan Baez, Suzie Rotolo (com o nome ficcional de Sylvie) e Pete Seeger tornam-se narrativamente mais interessantes, pois apresentam dilemas morais relacionados às suas carreiras, valores e relações com Dylan. Eles são retratados de maneira mais humana, repleta de erros e acertos, sem serem rigidamente classificados como bons ou maus.
Mesmo que Timothée Chalamet demonstre ser capaz de reproduzir as músicas mais marcantes do artista, executando-as vocal e corporalmente com maestria, o desejo de Mangold de abarcar toda a trajetória de Dylan em duas horas e meia de duração resulta na presença exacerbada de trechos musicais, tornando-se em algo apenas repetitivo. Pois o filme segue uma cartilha de planos fotográficos semelhantes em composição e iluminação nos números musicais, transformando cenas que poderiam ter grande poder narrativo em meros videoclipes interpretados por Chalamet—esteticamente e sonoramente belos, mas vazios na trama.

Um Completo Desconhecido pode ser uma experiência gratificante para os fãs do compositor americano, ao revisitar as músicas, eventos e relações que consolidaram Bob Dylan como um dos que atingiu o pináculo do folk/rock. No entanto, para um público que busca o filme pelo seu valor cinematográfico, a obra pode parecer vazia em sua narrativa, dando a impressão de que o diretor construiu cenas apenas para agradar os admiradores do artista, mimetizando sua trajetória sem oferecer um olhar verdadeiramente reflexivo sobre o músico.
O longa chegará aos cinemas brasileiros no dia 27 de fevereiro.
Texto de César F. P. Falkenburg
Revisão: Marcelo Silva
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