O Poder do tempo na apreciação artística e "La Chimera"
- César Plaggert
- 13 de fev.
- 4 min de leitura
De César F. P. Falkenburg
Em um processo de aceleração da vida devido ao avanço da presença da tecnologia em nossas rotinas, em que conversas que duravam horas se tornaram pequenos áudios no WhatsApp e filmes que uniam famílias nos cinemas agora são vistos em pequenos cortes no TikTok, está-se matando uma das coisas mais importantes para o processo de apreciação da arte: o tempo.
Passei a refletir sobre tal tema enquanto passavam os créditos de Anora no cinema. Ainda impactado com a sequência final do filme, vi um homem à minha frente que, no exato momento em que começaram os créditos, abriu o Letterboxd, deu sua nota para o filme e saiu rapidamente da sala de projeção com sua sacola da Mubi (streaming de filmes artísticos). Essa cena me assustou, pois o rapaz nem sequer esperou o final da exibição da obra para chegar a um veredito, recusando-se a vivenciar o belo momento em que saímos do mundo fílmico com a chegada dos créditos e ficamos sentados, reflexivos, processando tudo o que assistimos.

Pode-se dizer que o principal responsável por essa atitude da cinefilia contemporânea é a estrutura socioeconômica capitalista em que vivemos, que coloca o cinema como um produto e propaga a ideia de que assistir a muitos filmes te torna alguém respeitado. Isso é intensificado pela popularização do Letterboxd, que quantifica as obras assistidas em estatísticas no perfil. Atualmente, preza-se a quantidade de obras audiovisuais consumidas, em uma busca desenfreada por aumentar números em um perfil, e não a qualidade da experiência, o desejo genuíno de estudar a história do cinema, de entender e debater sobre a construção artística dos realizadores ao longo dos variados períodos históricos, países e culturas.
O tempo sempre foi o maior aliado do cinema, permitindo que filmes se metamorfoseiem em nossa mente ao longo de dias, semanas e anos. Afinal, nossa mentalidade se transforma, e a lente com que observamos o mundo pode ser trocada por outra. Muitos cineastas que hoje são respeitados como grandes realizadores foram atacados e criticados em seus períodos de produção. Um exemplo notável é Brian De Palma, que era alvo de críticas por sua mise-en-scène estilizada, formalmente rígida e sensorial, mas que hoje é visto com grande admiração e fonte de estudo.

Recentemente, voltei a pensar em um filme que assisti em dezembro de 2024, chamado La Chimera (2023). No primeiro contato, achei uma obra boa, mas não excelente — não me gerou um grande impacto emocional, e acreditei que seria facilmente esquecível em comparação com outros longas que assisti. No entanto, após quase dois meses, o filme reacendeu um fogo em minha memória. Passei a lembrar com muito carinho da fotografia analógica em 16 e 35mm, da construção do personagem Arthur e da ambientação da Itália nos anos 80.
O protagonista, que antes eu via apenas como uma figura misteriosa, revelou-se um homem apegado e apaixonado pelo passado, fascinado por figuras que permanecem estáticas no tempo. A arqueologia tornou-se um refúgio para ele lidar com a morte de sua grande paixão — afinal, diferente da moça, as esculturas e pinturas permanecem vivas por milênios. Já a Itália dos anos 80, que antes me interessava apenas pela textura gerada pela fotografia analógica, tornou-se uma Itália atmosférica, que exala em cada plano sentimentos de saudade, melancolia e silêncio. Uma viagem que antes eu via com um olhar realista, com pé no chão, agora se transformou em uma viagem de sensações e poesia, em que coloco minha memória, sentimentos e visão de mundo nesse grande caldeirão artístico que Alice Rohrwacher constrói ao longo das duas horas e treze minutos de duração.
Falando da diretora, ela também foi essencial para mudar minha visão sobre seu filme. Em um relato ao Instituto Moreira Salles (IMS), comentou sobre os principais elementos que formam a obra, e um trecho de sua fala foi um destaque para mim. Ao explicar o simbolismo da quimera dentro do longa, disse: "[...] a quimera é algo que tentamos alcançar e nunca conseguimos alcançar". Quando entrei em contato com essa frase, senti-me representado nela. Tenho muitas quimeras que me acompanham, e lido com elas me apegando a coisas que me dão a sensação de pertencimento. Para Arthur, esse refúgio é a arqueologia; para mim, é o cinema.

Depois de meses, finalmente me conectei com o protagonista e com o longa. O que torna esse fato ainda mais curioso é que meu pensamento se metamorfoseou justamente em um filme que fala sobre como o passado é algo estático e imutável. Com essa grande "feijoada" de pensamentos e sentimentos que vivi recentemente, compreendi que precisamos dar tempo para processar as obras que assistimos, pois muito do que vivemos depois pode se tornar um elemento importante para nos conectarmos com o filme. Precisamos permitir que nossas memórias e emoções penetrem na obra audiovisual, tornando-a muito mais rica simbolicamente e poeticamente. Afinal, um filme realmente se completa quando se conecta com a interpretação e as sensações do público.
Impactada ao ler seu texto! Concordo com você ao relatar sobre filmes que habitam nossa mente após assisti- lo. São poucos!
São verdadeiras experiências estéticas!