OS CATADORES E EU: um filme estudo de Varda por Agnès
- César Plaggert
- 20 de ago. de 2024
- 3 min de leitura

Agnès Varda, diretora conhecida da Nouvelle Vague, sempre produziu documentários em que ela entra na realidade dos entrevistados e até chega a participar como personagem, o que se dá como um processo de imersão no tema do filme. E em Os Catadores e Eu não é diferente, a diretora explora o tema dos catadores em diversos lugares (urbano e rural), contextos sociais, políticos e artísticos, tendo até, a própria Varda fazendo a prática do “catar”. Essa conexão da artista com a temática gera um documentário muito íntimo e sensível, em que conhecemos as pessoas por trás da prática, das suas intimidades e pensamentos, e também compreendemos quem é Agnès Varda, devido ao fato dela se colocar como personagem do filme.
Pode-se dividir o longa metragem através de dois tipos de personagens presentes nele: os catadores e a Agnès Varda, a qual se autointitula como catadora. Os catadores, figuras centrais da obra, são abordados de diversas formas pela diretora, buscando entender as motivações de cada um, tendo pessoas que fazem por necessidade, por valores morais e até para produção de obras de artes. Varda também explora diferentes lugares que ocorrem o ato de catar, em que filma a prática em áreas rurais e nos grandes centros urbanos. O que mais chama atenção no filme é que a artista não se limita a retirar informações dos entrevistados apenas sobre o tema, e sim, explora o íntimo de cada um, suas relações, seus pensamentos, rotinas e histórias, tornando estes personagens, fonte de interesse e de reflexão.

Em relação a Agnès Varda, percebe-se que ela é uma das personagens mais interessantes da obra, pois a própria se intitula como uma catadora, mas ela se diferencia de outras pessoas do longa ao catar informações, relatos e experiências com sua câmera. Varda apresenta sua intimidade como nunca fez em outros dos seus filmes, já que vemos a artista consciente de estar no último estágio de sua vida e que decidiu aproveitá-la da melhor maneira possível, refletindo sobre as possibilidades da arte em gerar reflexões sobre nossa própria existência e sociedade. Ao decorrer de Os Catadores e Eu, é apresentado a artista entusiasmada com o avanço tecnológico com sua camêra digital, em que ela encontra o artístico nas pequenas coisas que o equipamento oferece, e também a sua imersão no tema, em que até executa ações de recolher batatas no chão e objetos largados na cidade. A escolha artística de se pôr como personagem no documentário, transforma um documentário clássico informativo em uma obra de arte complexa em conteúdo e estética.

Já sobre a parte técnica do longa, duas coisas se destacam: a fotografia e a montagem. A fotografia de Os Catadores e Eu se diferencia dos projetos antecessores da diretora, já que é motivado pelo uso de uma câmera digital, que ela carrega consigo em todos lugares. A utilização de uma câmera amadora para filmar o longa gera certa pessoalidade na estética do documentário, fazendo uma aproximação física de Varda com os entrevistados. Além de um contato íntimo da diretora com a câmera, gerando cenas muito belas, como por exemplo o momento em que ela filma sua mão em plano detalhe, explorando o horror e admiração da terceira idade.
Finalizando com a montagem, percebe-se que ela é essencial para a construção do documentário, pois é a alma e coração da obra, em que o roteiro é construído por definitivo. Varda, constrói muito bem a junção dos catadores e os momentos intimistas, devido ao fato de não se perder a construção narrativa que o filme exige. Esta junção ocorre por dois meios, em momentos que a diretora se locomove para as locações, em que há cenas lúdicas que a diretora explora sua nova câmera e quando as cenas sobre catagem levam a artista refletir sobre si mesma. Sem uma apurada ideia de montagem, essa divisão narrativa seria confusa e desinteressante, mas devido a sua grande experiência em produção de documentários, essa fusão é feita com maestria.

Os Catadores e Eu, é um dos filmes mais interessantes da artista e um dos mais relevantes da história do documentário. Isso porque Varda constrói o longa com muito carinho e interesse em gerar uma obra de arte, que não seja algo apenas informativo, e sim reflexivo e poético. Ao pensar que esta é uma de suas últimas obras, a reflexão sobre o projeto acaba se tornando muito mais interessante, já que mostra uma diretora com uma carreira renomada no cinema, reinventando-se como artista, explorando temas e estéticas como nunca fez antes, um verdadeiro filme-estudo sobre si mesma.
Texto de César F. P. Falkenburg
Revisão de Alice Faria
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